segunda-feira, junho 13, 2005

Homenagem

Queria deixar aqui a minha homenagem a dois grandes vultos do século XX português. Faleceram ambos hoje.

Um deles, Álvaro Cunhal, será sempre recordado pelo ardor com que defendeu os seus ideais e pela rectidão que sempre mostrou, que lhe fizeram merecer louvores até dos seus mais viscerais adversários políticos. Queria deixar-lhe aqui um vigoroso "Adeus, camarada!", apesar de não ser eleitor do seu partido, respeitarei sempre a sua postura e a forma como era capaz de subtilmente mostrar como é possível um político erguer-se acima das águas pântanosas da política nacional.

O outro, Eugénio de Andrade, é tão somente o poeta português cuja obra está traduzida em mais línguas estrangeiras, tendo provavelmente sido o maior poeta português do século XX (não, não me esqueci que o século XX foi também o século de Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Florbela Espanca e Sophia de Melo Breyner!). Eu admito a minha falta de originalidade, mas infelizmente não sou um poeta, por isso deixo-lhe como homenagem um poema seu, disponivel no Publico online de hoje:


AS PALAVRAS INTERDITAS

Os navios existem e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas minhas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Eugénio de Andrade,
in «As palavras Interditas» (1951)




Bem hajam,
que as águas do tempo não apagem os vossos nome dos anais da história lusa

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