quinta-feira, dezembro 22, 2005

Quintas-feiras Culturais XV

O último livro que li foi o "Dias Exemplares", o último romance do Michael Cunningham. O livro segue um bocado a estrutura d' "As horas" com três histórias entrecruzadas, passadas em períodos históricos diferentes. Um dos pontos em que todas as histórias se cruzam na importância que a poesia semi-profética do poeta americano Walt Whitman tem no desenrrolar da acção das personagens. Fica aqui um pouco de Walt Whitman. Infelizmente não conheço o original, só tenho a tradução para português que pode ou não fazer jus ao original...


Uma criança perguntou O que é a erva? estendendo-me
as mãos cheias dela;
Como poderia eu responder-lhe? Não sei mais que ela.

Talvez seja a bandeira do meu sentir, tecida com os verdes
fios da esperança.

Ou talvez seja o lenço do Senhor,
Uma prenda perfumada, uma lembrança intencionalmente
perdida com um nome bordado num dos cantos, para que
ao vê-lo possamos perguntar: De quem é?

Suponho que a própria erva seja uma criança, o filho da
vegetação.

Ou talvez seja um hieróglifo uniforme
que significa: Broto de igual forma em campos largos e estreitos,
Cresço entre os negros tal como entre os brancos,
Entre os Kanuck e os Tuckahoe, entre os congressistas e os
negros, dou-lhes o mesmo
E deles recebo o mesmo.

E agora parece-me ser a longa e bela cabeleira dos túmulos.

ternamente te usarei, ondulada erva,
Talvez transpires no peito dos jovens,
Talvez eu os tivesse amado, se os tivesse conhecido,
Talvez sejas dos velhos, ou dos meninos prematuramente arrancados
Ao regaço das mães,
E aqui és o regaço das mães.

Esta erva é muito escura para pertencer à cabeça grisalha das mães,
Mais escura do que a barba sem cor dos anciãos,
Escura demais para brotar do céu-da-boca, vermelho e pálido.

Ah, eu conheço afinal tantas línguas,
E sei que não brotam em vão do céu-da-boca.

Walt Whitman


Desconcertante, não? Bonito mas desconcertante.

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