quinta-feira, abril 06, 2006

A Pedra

Numa colina, não muito longe do mar, existia uma pedra. Era só mais uma pedra, como outra qualquer, ali largada pelas prodigiosas forças que moldaram o mundo desde tempos imemoriais. Mas esta era uma pedra especial, esta pedra pensava, esta pedra sentia.
Ali existira sozinha, suportando solitariamente o passar de incontáveis milénios, resistira aos ventos que lhe alisaram a superfície com o constante bombardeamento de pequenos grãos de areia, suportara as chuvas que lhe haviam sulcado profundas rugas na sua face pétrea. Conhecera frio que de tão profundo era capaz de rachar pedras, e calor tão sufocante que deixava a sua superfície em brasa, mas ali continuava, estoicamente, à espera do dia em que o seu sonho se realizasse.
A pedra tinha um problema, não sabia falar. Ou não sabia falar ou nunca encontrara nada capaz de a compreender. Durante milénios tentara falar com o vento e com a chuva, tentara gritar para chamar a atenção a outras pedras, mas nunca a ouviam, ou não a compreendiam. Depois vieram as plantas e os animais, em mil formas e cores, tentou contactar com as ervas que sobre ela lançaram raízes, tentou depois falar com os animais. Tentou coaxar para chamar a atenção aos anfíbios, rugir para atrair os répteis, piar para falar com as aves que sobre ela pousavam, mas nenhum deles a ouviu, ou não a compreenderam. Gritou tão alto quanto pode para que os ratinhos e coelhos, que sob ela construíram tocas, a ouvissem, mas nenhum lhe respondeu.
A maior angústia desta pedra era a sua extrema solidão, como poderiam estes fugazes seres um dia compreender o significado de centenas de milhões de anos de solidão? Nasceu um dia um novo bicho, chamava-se homem e, sempre muito convencido de si próprio, autoproclamava-se o mais inteligente e anunciava ter a linguagem mais avançada de todas. A pedra pensou que seria esta a criatura que a iria finalmente compreender, teria finalmente alguém com quem partilhar as suas experiências, poria um ponto final a toda aquela solidão.
Mas os homens também não a ouviram, ou não a compreenderam. Por vezes caminhavam sobre ela, ou sentavam-se nela para descansar os seus cansaços, finalmente, um dia, decidiram perfura-la para sobre ela construírem casas onde morar. Esta última humilhação foi demasiada para o espírito atormentado da pedra, nas profundezas do seu pétreo ser, algo cedeu, acabou-se o estoicismo e a pedra chorou.
Ao verem um pequeno ribeiro de água salgada nascer daquela pedra, os humanos finalmente compreenderam que havia algo de estranho com aquela pedra, a água salgada não costuma nascer das pedras. As pessoas começaram a juntar-se à volta da pedra e a falar sobre aquele fenómeno. A pedra, pouca habituada a tanta atenção, começou a interrogar-se se iria finalmente acabar o seu tormento.
Chegou então o geólogo. Um humano que anunciou alto e bom som que estava ali para desvendar todos os mistérios da pedra. Ao ouvir tais palavras, algures no pétreo âmago da pedra, uma alegria infinita explodiu. A pedra ficou tão emocionada que começou a chorar de alegria, o pequeno regato que brotava de si cresceu e inundou as duas casas mais próximas.
Perante tal tragédia, o geólogo compreendeu a urgência da sua tarefa, chamou a sua equipa, mandou trazerem picaretas e brocas e maquinaria pesada. Durante dias picaram a pedra, partiram a pedra, desfizeram-na em pedacinhos e cortaram-na em finas fatias. Cada pedacinho foi cuidadosamente levado para um laboratório, numa cidade a muitos quilómetros de distância, onde foram cortados em fatias ainda mais finas, pulverizados e dissolvidos com ácidos poderosos e analisados sob os mais potentes microscópios e espectrofotómetros. Aprenderam muitas coisas sobre a pedra, sobre a sua composição química e sobre a sua estrutura, sobre a sua idade e sobre o seu nascimento, até souberam ler nos seus cristais longos capítulos da história do planeta. Só nunca compreenderam porque razão aquela pedra chorava. Afinal, era só mais uma pedra…

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