domingo, julho 01, 2007

Manifesto

Aquilo em que um homem acredita é real, se um número suficiente de pessoas acreditar na mesma coisa, esta torna-se a realidade.

Gosto da palavra alienado. Gosto, pronto. Alienado, tornado alienígena, parece que estamos a dizer que antes era normal, mas depois ficou estranho, um estranho em sua casa. Um alienígena é um estranho num local estranho, um alienado é aquele que é simplesmente um estranho na sua própria casa.

É curiosa a expressão: “estão a alienar o X”. Na verdade não faz sentido. Ninguém pode alienar alguém, é sempre alguém que se aliena da realidade. Podemos desprezar, abandonar, rejeitar ou expulsar alguém, alienar não. Qualquer uma das acções resultaria em retirar a casa a alguém, afasta-lo do seu local, não o estaríamos a tornar um estranho em sua casa porque ele teria perdido a casa.

Enfim, estou a desviar-me da questão. Comecei com uma citação de uma personagem do Million Dollar Hotel, um filme fantástico do Wim Wenders. Só me lembrei dos alienados porque era essa a características em comum entre as várias personagens desse filme. Mas, voltando à frase, será a realidade assim tão fácil de perceber?

É preciso ter cuidado ao discutir algo tão complexo como a realidade. Há um risco sério de nos tomarem por loucos, por qualquer razão a nossa sociedade tem como pecado máximo a rejeição da realidade instituída. O nosso apego ao paradigma que convencionamos chamar realidade é tal, que nos forçamos por afastar todos os que põem em dúvida esse ideal. Pudera! Deixar de acreditar na realidade é rejeitar o referencial em que assenta o nosso pensamento, como um avião que a meio da viagem deixa de ter acesso à sua posição x,y,z. Por outro lado, é entrar na filosofia mais profunda. Lembro-me logo da caverna de Platão. Platão questionou a realidade da realidade, foi talvez o primeiro a fazê-lo, o primeiro dos alienados. Depois veio a tornar-se o expoente máximo de uma linha de pensamento que originou todo o arcaboiço do pensamento da nossa sociedade moderna, pelo menos no “Ocidente”.

O que é então a realidade? As nuvens são reais, o céu é realmente azul e o oceano é azul, profundo e lindíssimo. As árvores têm, em geral, folhas verdes, alguns animais comem plantas, e aquele bife que comemos ao almoço era realmente um pedaço de uma vaca. Tudo isto é a realidade. O problema é que existe toda uma série de coisas que pensamos fazerem parte da realidade, mas que dificilmente são reais aos olhos de alguém com metade do intelecto de Platão.

Por exemplo, não é realidade que vivemos numa sociedade livre onde a livre expressão é a regra. Na verdade, a livre expressão acaba onde os meios de comunicação querem que ela acabe. O grande feito dos filósofos do renascimento foi anunciarem aos sete ventos que não podemos acreditar nas verdades feitas, que temos de criar as nossas verdades a partir daquilo que nós observamos. O problema é que hoje em dia até aquilo que observamos nos é controlado, a nossa grande fonte de informação é a televisão, e seria difícil encontrar um canal mais filtrado do que esse. Felizmente existe a Internet, esse grande bastião da anarquia, onde a única regra é a total liberdade, a verdadeira liberdade que nos é negada pelas nossas falsas democracias oligárquicas. Mas a Internet tem um senão, é difícil perceber que parte daquela informação é fiável, tal é a quantidade de baboseiras que se acumulam por lá. Penso que é esse o preço a pagar pela verdadeira liberdade, pelo menos a mim não me parece um preço muito elevado.

Se pararem um momento para pensar, quase tudo aquilo em que acreditamos assenta-se em conhecimentos que nos chegaram por via remota, mas em que decidimos acreditar. Não estou a dizer que não sejam reais, estou certo de que realmente existe uma cidade chamada New Orleans que foi arrasada por um furacão, ou que existe um país chamado Iraque, arrasado pelas bombas americanas. O problema é que entre as linhas principais deste conhecimento, é extremamente fácil enfiar pequenas mentiras nas entrelinhas. Não estou aqui a dizer que vivemos num gigantesco Truman Show, pelo menos acho que não. Só queria provar o argumento de que nem tudo o que reluz na televisão é necessariamente ouro.

E foi assim que chegamos ao absurdo da cena política internacional. O preço do petróleo sobe de cada vez que um opossum dá um peido a menos de 80 km de uma refinaria na Venezuela, as bolsas caem por motivos tão absurdos como o clima ou um rumor de um negócio manhoso do outro lado do mundo. A incompetência das classes governantes é de tal forma óbvia que já não é sequer questionada. Na verdade os próprios políticos admitem a sua imbecilidade, limitando-se a anunciar que são um pouco menos imbecis, ou um pouco menos criminosos do que os seus concorrentes. O mais triste, é que as pessoas estão de tal formas apanhadas nesta trama que acreditam neles e votam neles. No ano passado ouvi uma pessoa normalíssima, em Lisboa, sem qualquer ligação a Felgueiras, defender a Fátima Felgueiras sob o argumento que “ela não rouba mais do que os outros”. É verdade, na realidade é já um facto assumido que todos os autarcas são corruptos, o que não é normal é termos chegado ao ponto de aceitar isso como uma falha aceitável, uma inevitabilidade da vida política. Revolta-me profundamente a ideia de que as pessoas estão já tão totalmente apanhadas nesta ilusão. Se chegamos a este ponto, de que forma estamos mais conscientes do que na visão maníaco-catastrofista do Matrix, de toda uma humanidade aprisionada num Universo criado artificialmente por máquinas. A única diferença é que aqui estamos realmente conscientes e mesmo assim aceitamos ter a vista toldada por esta ilusão criada por uns quantos para manter o povo na linha.

Onde começou tudo isto. Quem é que beneficia com tudo isto? É aqui que me demarcarei dos catatónicos teoréticos da conspiração. Porque a verdade é muito mais deprimente do que isso. Não existe nenhuma grande conspiração, montada por extraterrestres, ou por sombrios homens de fato negro, ou pela maçonaria, ou pelo Priorado do Sião. A verdade é muito mais triste. A única conspiração que existe é a conspiração do próprio intelecto humano contra a humanidade. Temos profundamente enraizado o mito do lucro rápido. Viver no momento, ganhar agora sem pensar no que podemos vir a perder no futuro. Em ultima análise, a ganância é mãe de toda a merda que se acumula no mundo. Enquanto isso não mudar, continuaremos a seguir a passos largos o caminho para o fim inevitável que se anuncia impassível. Comecei com uma citação, vou acabar com um provérbio chinês:

Se não mudares de direcção, podes acabar no sítio para onde te diriges

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