sexta-feira, agosto 24, 2012

Postais das Selvagens


4 - Selvagem Grande com Donetsk no horizonte

Sala da casa da reserva na Selvagem Grande, invadida pelos marinheiros
 à hora do Portugal-Espanha.

Depois deste desvio, retomamos então a rota em direcção à Selvagem Grande, onde chegaríamos por voltas das 14:30. A primeira impressão foi de uma pequena montanha que se ergue do mar, de rocha escura e rude descendo até ao mar em vertentes íngremes. Rapidamente vislumbramos a casa da reserva, junto ao mar, numa enseada certeiramente denominada de Enseadas das Cagarras. O nosso patrulha fundeou a talvez uns quinhentos metros da costa e demos início ao desembarque de pessoas e mantimentos através de botes, tendo eu chegado à ilha na terceira viagem. Não houve muito tempo para tomar primeiras impressões, entre a labuta da descarga do material e dos mantimentos e as saudações e cumprimentos aos colegas que nós vínhamos render. Talvez possa dizer que a primeira impressão foram as águas límpidas e convidativas da enseada, que se rasga em várias pequenas baías divididas pela bruta rocha vulcânica da ilha. Ou talvez fosse o canto das cagarras que nos dão as boas-vindas no seu tom que a mim sempre pareceu uma mistura entre o zurrar do burro e o coaxar das rãs. Eram às dezenas, voando sobre as nossas cabeças, mas rapidamente me disseram que cheguei num dia fraco, que no próximo pico dos estranhos ciclos em que estas aves vêm a terra visitar os ninhos elas seriam muitas, muitíssimas mais nos céus. Não demorei muito a verificar que era verdade.
Esta rendição foi algo sui generis, pois havíamos chegado num dia muito particular. Quis o destino que neste dia tivesse lugar o desafio de futebol entre Portugal e Espanha, para as meias finais do campeonato europeu de futebol. O jogo ia ser disputado em Donetsk, na Ucrânia, a muitos milhares de quilómetros de distância, mas a tecnologia e os satélites permitem que até aqui, no limite sul de Portugal, algumas dezenas de concidadãos pudessem sofrer ao vivo pelo sua selecção. Ainda durante a viagem de barco o imediato e o comandante do Cuanza haviam indagado se seria possível vir a terra para ver o jogo, e, sendo a nossa resposta afirmativa, lá escolheram entre os marujos a quem seria dada a benesse de ir a terra e fomos quase trinta ao todo, apinhados na sala de estar, a ver o jogo que infelizmente acabou mal para as cores nacionais. Incapazes de resolver o jogo em 120 minutos de futebol, Portugal e Espanha foram obrigados a tirar as teimas num desempate por grandes penalidades, em que a sorte, ou a habilidade, sorriram a nuestros hermanos.
Acabado o desafio, cuja derrota na excitação da chegada a um sitio novo e extraordinário pouco desalento me trouxe, marinheiros e civis trataram de embarcar no barco e deixaram apenas três na ilha. Três seres humanos mais de cem quilómetros de qualquer outro representante da sua espécie, com a eventual excepção de algum barco que passasse ao largo. Além de mim e do vigilante Jaques, ficou na ilha a minha colega Maria, veterana acabada de passar três semanas na ilha e pronta para mais três.

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