quinta-feira, setembro 20, 2012

Postais das Selvagens


26 – Grutas

A Gruta do Chão na maré vazia, com o mar a espreitar à entrada e a luz da
clarabóia natural a marcar a parede oposta.

A geologia áspera da Selvagem Grande, fruto de grandes erupções submarinas do passado, gerou um sem número de formações de rocha rude, imagens de uma terra ainda pouco conformada com a sua solidez. Entre estes atractivos estão as várias grutas que penetram profundamente o chão pétreo da ilha. Existem várias grutas menores, mas as principais são a Gruta do Inferno e a Gruta do Capitão Kidd, existindo também uma outra gruta junto ao mar, na Baía das Galinhas, a Gruta do Chão, que merece uma visita cuidadosa.
A primeira gruta que visitei foi a gruta do Inferno, localizada numa fenda profundamente cravada na face do promontório encimado pelo Pico do Inferno, de que falei quando descrevi a ilha. É possível chegar lá por terra, descendo cuidadosamente a encosta íngreme, mas foi por mar que a visitei. Saímos de bote, navegando a ondulação sobre os tais azuis impossíveis destas águas. Depois de contornadas as rochas que dividem a Baía das Cagarras da Baía das Galinhas, avançamos a direito até ao outro extremo da enseada, onde a terra rasga o mar de forma abrupta até às alturas do Inferno... o pico, claro. O bote encostou às rochas negras e brutas, cobertas de cracas e outros animais de índole cortante, e nós saltamos do bote e amarinhamos pela rocha acima, até ao ponto cerca de quinze metros acima do nível do mar onde tem início a gruta. À entrada tem um tufo de erva verde, como que uma despedida das cores do mundo antes de descer ao negrume do inferno. A gruta tem secção triangular, com as arestas laterais muito maiores que a da base, encontrando-se lá em cima, muitos metros acima das nossas cabeças. Lá dentro, patrulham com os olhos algumas cagarras que por ali fazem ninho, sob os blocos tremendos que brotam das paredes como cogumelos. Pedras vulcânicas aqui e ali entremeadas com filões calcários e manchas brancas que talvez fossem de salitre. A gruta perfura a rocha numa extensão de mais de cem metros, até ao seu término, sempre triangular, onde mal cabe uma pessoa. Nesse ponto, mesmo olhando para trás, parece que nem um único fotão chega aos nossos olhos. Não foram as luzes dos frontais e pareceria que a luz era algo que nunca existira. Algumas rochas têm pequenos cristais brilhantes, que refulgem sob as nossas luzes, e em alguns pontos infiltra-se água, e o ponto alto da visita à gruta acaba mesmo por ser o triângulo luminoso que nos abraça quando volvemos à entrada, agora tornada saída deste reino que de infernal afinal tinha apenas o nome.
A visita seguinte às grutas voltou a ser à gruta do Inferno. Desta feita fomos por terra e percebi finalmente porque se chama Gruta do Inferno. A descida é um verdadeiro inferno de rochas soltas, declives abruptos e quedas semi-controladas até à base do precipício. Saídos do inferno, seguimos ao longo da costa, saltando sobre grandes lages de basalto, até à Gruta do Chão. Esta gruta é relativamente pequena, e o mar entra lá dentro durante a maré-alta, sendo o chão de calhau rolado de basalto escuro. A gruta tem duas entradas, ambas com o mar azul em fundo, e por cima das nossas cabeças abre-se uma clarabóia natural que permite a entrada de ainda mais luz, fazendo um efeito bastante bonito.
No dia seguinte fomos finalmente à mítica Gruta do Capitão Kidd. Não se sabe ao certo de onde veio nome da gruta, mas a verdade é que já vários lá foram escavar em busca do tesouro do famoso pirata. Chega-se à gruta descendo a vertente da Baía das Pardelas, do lado nordeste da ilha, chegando-se a um grande lageado basáltico junto ao mar, cheio de pequenas poças com pequenos peixes, lapas e ouriços-do-mar. A gruta começa numa abertura ampla e é formada por uma câmara larga e relativamente alta, tendo um buraco no meio por onde entra o mar. Dentro da gruta ouve-se o bater das ondas no fundo do buraco e avistam-se os vestígios das escavações antigas dos caçadores de tesouros. A vista mais bonita é a da entrada vista do interior, sendo a luz como que filtrada em tons esbranquiçados, dando à gruta um tom vagamente onírico.
Completei assim o meu périplo pelas grutas da ilha. Agora sim sou um veterano da ilha.

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