sábado, setembro 29, 2012

Postais das Selvagens

29 - Sensação de ser presa

Pôr-do-Sol na Baía das Cagarras, onde nadei tantas vezes com os peixes.
Uma das espécies de peixe que me ia faltando avistar na Selvagem Grande era o peixe-porco. O Cristóbal que costuma ir nadar até mais longe já os tinha visto, pelo que um dia pedi emprestadas umas barbatanas e decidi ir nadar até à ponta mais distante da Baía das Cagarras.
Fui nadando, usufruindo do efeito acelerador das barbatanas. Acho que pensei que devia ser assim que o Michael Phelps se sente quando nada. Fui vendo as espécies habituais e vendo o fundo a ficar cada vez mais distante. Eventualmente cheguei à parte mais profunda da baía onde o mar deve ter já mais de vinte metros de profundidade. Graças às águas cristalinas das Selvagens o fundo é perfeitamente visível, mesmo a estas profundidades, consegue-se ver cada pedra e cada peixe como se houvesse apenas ar entre nós. Segundo dizem, o capitão Costeau quando mergulhou aqui disse serem as águas mais cristalinas que já conhecera e em dias de boa visibilidade pode-se ver a quarenta metros de profundidade.
Nesta zona a baía parece um imenso aquário natural, e vindos do azul profundo lá apareceram os peixes-porco. Primeiro três ou quatro, depois uma dúzia, duas. Eventualmente contei oitenta destes peixes a nadar em meu redor, agitando as longas barbatanas enquanto iam navegando em uníssono. O peixe-porco tem uns dentes bastante afiados, que geralmente são visíveis nas suas bocas entreabertas, e são conhecidos por darem por vezes dentadas dolorosas, pelo que convém ter algum cuidado na sua presença. Assim, quando segui caminho e notei que o cardume me seguia, comecei a olhar para eles com um olhar mais suspeito. Continuei a nadar em direção à ponta da baía e o cardume seguia o mesmo rumo que eu, nadando por baixo de mim. Quando me aproximava mais das rochas eles afastavam-se um pouco, pareciam preferir águas mais abertas, mas logo que me encontrava numa zona mais funda lá estavam eles por baixo de mim.
Chegado à ponta, e inspecionados os peixes que se viam por lá, comecei a nadar de volta a casa. Mal mudei de direção, os peixes-porco fizeram o mesmo. Comecei a achar que de certa forma faziam lembrar um cardume de piranhas gigantes em tons mais cinzentos. Fui nadando e lá seguiam eles atrás de mim. Não me senti muito ameaçado porque sabia que se me aproximasse das pedras eles se afastariam, mas ainda assim comecei a sentir uma pouco como se sente uma presa. Por que razão me seguiam eles? Achariam que eu era um grande predador e esperavam por restos da minha caçada? Estavam meramente curiosos? Ou teriam mais curiosidade sobre qual seria o meu sabor? Não me apetecia muito testar a terceira hipótese, até porque uma dentada de peixe-porco não será certamente letal, mas é bastante dolorosa e alguns dos peixes por baixo de mim tinham facilmente meio metro de comprimento. Continuei o meu caminho, nunca muito longe das rochas e quando cheguei a águas menos profundas eles desistiram de me seguir. Foi espetacular ver o cardume de peixes enormes tão de perto, mas também senti algum alívio quando os vi pelas costas.

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