domingo, novembro 04, 2012

Postais das Selvagens

31 – Noite sim, noite sim

Colocação do último geolocator numa alma-negra.

A última grande tarefa que me sobrava antes do final da estadia era a colocação dos geolocators, os pequenos aparelhos que recolhem informação sobre as rotas migratórias das aves. Como as almas-negras só vêm ao ninho durante a noite, este trabalho tinha de ser feito de noite, tendo ocupado a maior parte das noites da minha última semana na Selvagem Grande. Comecei esta tarefa a seis dias do final, pois interessava adiar a colocação dos aparelhos para o mais próximo possível do fim da estadia, mas esperava conseguir despachar a tarefa em duas ou três noites. Não foi assim.
A primeira noite rendeu apenas quatro aves capturadas e acopladas com um geolocator, o que sugeriu logo que não ia ser assim tão fácil. A segunda noite rendeu mais quatro, mantínhamos o ritmo da véspera, mas a terceira noite rendeu apenas três. Com um total de vinte aparelhos para colocar, as noites começavam a faltar, pelo que à quarta noite decidi levar mais longe o esforço de campo. Fiquei a noite toda no planalto, visitando os ninhos de hora a hora.
Foi uma noite longa. A primeira volta foi feita pela meia noite e trinta, na companhia da Maria e do Cristóbal, e encontramos três aves. Era um bom começo para a noite, mas continuavam a sobrar seis geolocators a colocar. Finda a primeira ronda, os meus colegas voltaram a casa, pois teriam trabalho para fazer de manhã e eu fiquei sozinho no planalto. A noite estava espectacular, com um luar que permitia caminhar sem luzes e sem grandes frios apesar do vento que se fazia sentir. Entre rondas descansava um pouco num pequeno barracão onde os vigilantes guardam material, na companhia de umas quantas osgas, e de hora a hora ia visitar os ninhos. As estrelas estavam lindíssimas, e foi uma experiência interessante passar uma noite sozinho num local tão deserto, mas a noitada, que se prolongou até ás sete hora da madrugada seguinte, só rendeu mais três aves. Apesar do esforço brutal, tinha ainda de capturar mais três aves nas duas derradeiras noites da estadia, mas antes tinha de recuperar o corpo da noitada... Infelizmente, depois dos trinta uma noite em claro tem o mesmo efeito que uma bebedeira daquelas de proporções épicas.
No dia seguinte fui-me arrastando, sem forças nos músculos e sem actividade no cérebro, tentando poupar energia para mais uma subida nocturna, e fazendo figas para que esta fosse a última subida nocturna ao planalto. Não me apetecia mesmo nada ter de subir na última noite, que será de arrumações e preparativos para a viagem, mas não depende de mim, depende das almas-negras e das suas vindas aos ninhos. Chegada a noite, com o corpo já mais acordado, subimos ao planalto. Apanhamos rapidamente dois indivíduos e parecia que íamos conseguir completar o trabalho nessa noite, mas a última anilha de plástico, necessária para fixar o geolocator à pata da ave, partiu-se e mais uma vez ficou trabalho para fazer para o dia seguinte. Para compensar este azar, o universo brindou-nos com um céu absolutamente fabuloso, pintalgado de infinitas estrelas, com a via láctea a rasgar o céu ao meio. Um céu como nunca viram aqueles que nunca puderam fugir à poluição luminosa do continente Europeu, absolutamente perfeito, a que se juntaram duas estrelas cadentes para compor o ramalhete.
No dia seguinte colocamos finalmente o último aparelho. Missão cumprida. Faltava agora fazer as arrumações e limpezas e esperar pela rendição.

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